quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Inteligente, mas não o suficiente




Issac Asimov

PREFÁCIO

O artigo que segue, como todos os que escrevo e nos quais aceito o fato da evolução, provocou numerosas reações, algumas tristes, outras mordazes. Afigura-se perfeitamente óbvio que muita gente recue diante de qualquer sugestão de que a maravilhosa complexidade dos seres humanos foi constituída por um processo lento e incrivelmente intricado, que se estendeu por todos os 15 bilhões de anos, tempo de vida do Universo. Parece que tais pessoas pensam que faz mais sentido supor que os seres humanos foram moldados de barro, num instante, por um superser primitivo, muito dado à petulância e à fúria.
A minha única reação às cartas que se opuseram ao meu ponto de vista, favorável à evolução das espécies, constituiu em tratar o assunto deste artigo com muito maior extensão em um dos meus ensaios de ficção e de ficção científica. O trabalho, então, tornou-se "Olhe longamente para um macaco", que foi, a seu tempo, incluído na minha coleção de ensaios intitulada "Of Matters Great and Small" (Doubleday, 1975)

Se uma centena de milhões de macacos tivessem de mexer em teclas de máquinas de escrever por tempo suficiente, eles poderiam, talvez, escrever todos os livros do Museu Britânico.
Não é esta uma afirmativa impressionante? Mas por que macacos?
A muito repetida observação acerca da centena de milhões de macacos é uma expressão do poder dos eventos ocasionais, dado o tempo suficiente; e trata-se de um poder importante, porquanto foi ele que produziu o homem, extraindo-o da sopa química do oceano primordial. A causalidade, entretanto, não precisa de macacos. Dependurem-se máquinas de escrever em qualquer dispositivo destinado a produzir depressões ocasionais nas teclas e o princípio serviria igualmente bem. Por que macacos então?
Porque macacos são inteligentes, mas não suficientemente inteligentes. Pode-se facilmente imaginar macacos suficientemente inteligentes para bater teclas de máquinas de escrever, imitando pessoas; mas não se pode imaginá-los suficientemente inteligentes para bater as teclas de nenhuma outra maneira a não ser ao acaso.
Inteligentes, mas não suficientemente inteligentes... Os macacos divertem as pessoas porque são suficientemente inteligentes para ser como pessoas em alguns aspectos; e eles incomodam as pessoas pela mesma razão. Porque é que foram criadas essas grotescas imitações de nós mesmos? Teriam sido tentativas anteriores à criação do homem? (Mark Twain disse que foi o contrário.)
Ou serão os macacos nossos parentes e teremos tidos ancestrais comuns há muitos milhões de anos, como Charles Darwin sugeriu? Este pensamento de parentesco incomodou muita gente. Ainda incomoda. Tornou-se importante, para muita gente, insistir sobre algumas diferenças, grandes e fundamentais, entre o homem, de um lado, e a inteira tribo de macacos (os "primatas"), de outro; uma diferença que não poderia ser transcendida, de modo que não haveria o problema do parentesco.
Os macacos, sozinhos, poderiam não ter sido tão ruins. Eles tinham cauda, como os outros animais, em vez, da parte traseira lisa, característica do homem; e isto seria o bastante para excluí-los. (O macaco da Barbária constitui uma exceção: é um macaco sem cauda, nativo do Noroeste da África.)
A seguir, quando os europeus exploraram a África e as Índias Orientais, é que se descobriram os verdadeiros macacos. Eram animais maiores do que os macacos comuns, sem cauda como o homem, e muito mais próximos do homem, em sua aparência caricatural, do que o macaco comum.
A descoberta veio surpreendentemente tarde. Foi somente lá pelo ano de 1698 que o primeiro chimpanzé foi levado para a Europa, e só em 1776 que isso aconteceu com o orangotango. O gorila não foi apropriadamente descrito antes de 1847, exatamente 12 anos antes do livro de Darwin ser publicado.
Os símios apresentam a questão do parentesco mais incisivamente do que os macacos comuns o fazem. Até o estudo mais ocasional faz com que sua semelhança seja estranha. Se se dissecam símios, verifica-se que nos pormenores ainda mais íntimos do seu funcionamento interior a semelhança também é estranha. As técnicas modernas de prova da fina estrutura das moléculas de proteína revelam que as proteínas do chimpanzé se situam mais perto das do homem do que as de qualquer outra espécie. O chimpanzé está mais perto do homem que do gorila.
A mais importante diferença física entre o homem e o chimpanzé está no tamanho dos respectivos cérebros. O cérebro humano é quatro vezes maior do que o do chimpanzé. Afora o tamanho, entretanto, os dois cérebros são iguais. Não poderá ser, pois, que a diferença seja apenas de grau?
Não, necessariamente. Quando uma diferença de grau se torna bastante grande, pode tornar-se uma diferença de espécie. O cérebro humano é quatro vezes maior do que o do chimpanzé, e isto pode ir infinitamente além do pobre macaco comum. Se dermos como certo que o chimpanzé é mais inteligente do que qualquer outro animal, sem dúvida sua inteligência não será nada comparada com a do homem.
Para aqueles que não suportam a idéia de qualquer parentesco entre o homem e os outros primatas, permanece a diferença mental, mesmo quando a diferença física desaparece. Pode-se argumentar que a diferença de inteligência entre o homem e o mais inteligente dos outros animais é excessivamente grande, e não pode ser transposta.
Por exemplo: o homem pode falar. Outros animais (até mesmo da parte mais inferior da vida, como as abelhas) podem assinalar, de uma ou de outra maneira, emoções e desejos primitivos, como: "estou com medo", "tenho fome", "vá embora", "deixe-me só", "amemo-nos", "estou perdido". Somente o homem, entretanto, pode desenvolver símbolos sonoros, complicados e modulados, para expressar os mais delicados matizes de significação e as abstrações mais esotéricas.
Muitas tentativas já se fizeram para ensinar os chimpanzés jovens a falar. Elas fracassaram. Chimpanzés crescidos em companhia de crianças humanas desenvolvem-se mais rapidamente e superam os bebês seus companheiros até a fase em que as crianças aprendem a falar. Aí, o pequeno chimpanzé é inteligente, mas não suficientemente inteligente.
Os homens podem falar porque são capazes de acionar os músculos de sua língua, de sua garganta, de seus lábios, e assim por diante, com a maior delicadeza. A capacidade para fazer isso é governada por uma parte do cérebro denominada "circunvolução de Broca". Danifique-se este setor e o ser humano já não pode mais falar, nem compreender a fala - mas ainda pode comunicar-se por meio de gestos.
Os chimpanzés não possuem o equivalente à circunvolução de Broca, mas, na selva, eles se comunicam também por gestos. Aconteceu a Beatrice e Allen Gardner, na Universidade de Nevada, em 1966, tentar ensinar uma linguagem de surdo-mudo a uma chimpanzé de um ano e meio de idade, que batizaram com o nome de Washoe. Ficaram encantados com os resultados. Washoe aprendeu dezenas de símbolos, fez uso deles corretamente, compreendia-os facilmente e fazia novas combinações de símbolos que também usava apropriadamente.
Outros chimpanzés também foram ensinados. um deles foi ensinado a manipular contas magnetizadas, portanto símbolos, e aprendeu a compreender e a construir sentenças com toda a devida atenção para a gramática e a pontuação - o mais próximo equivalente de ler e escrever. Os chimpanzés já foram ensinados a lidar com tais símbolos por meio de uma espécie de máquina de escrever. Chimpanzés já ensinaram símbolos a outros chimpanzés, e também procuraram ensiná-los, sem êxito, a gatos de estimação.
Assim, os chimpanzés podem comunicar-se no equivalente a uma linguagem humana simples, e até mesmo em termos de abstração, desde que se coloque essa linguagem em termos de movimentos que eles estejam fisiologicamente equipados para realizar. A diferença entre o chimpanzé e o homem é apenas de grau, afinal de contas - até mesmo quanto à inteligência.
Será possível ensinar chimpanzés o suficiente para pô-los a trabalhar para o homem? Outros animais foram domados, domesticados e postos para trabalhar: cães, cavalos, renas, lhamas, iaques, bois, camelos, elefantes e assim por diante. Estes não são tão inteligentes como os chimpanzés, naturalmente, mas, por certo a inteligência não é um desqualificador.
Afinal de contas, os seres humanos também podem ser treinados para a realização de trabalhos exigidos. O escravo, sob o chicote do capataz, não é tratado melhor do que um cavalo mais inteligente.
Porque, então, não se poderia fazer o mesmo com um chimpanzé? Em minha opinião, isso não funciona. Os chimpanzés são muito inteligentes, e não se acomodam a trabalho tedioso, repetitivo, extenuante, em resposta a sinais ou comandos humanos, como acontece com cavalos e mesmo com os elefantes. De outro lado, eles não são suficientemente inteligentes para compreender a futilidade da rebelião, como ocorre com os escravos, nem suficientemente habilidosos para tornar a escravidão tão tolerável quanto possível, como fazem, por vezes, os escravos humanos.
Em breves palavras: os chimpanzés são suficientemente inteligentes para fazer o trabalho, mas não suficientemente inteligentes para serem escravizados. E talvez isso signifique que eles são suficientemente inteligentes.

POSFÁCIO

A objeção mais divertida à minha série de artigos para a "TV Guide", diga-se de passagem, foi a de um inocente que se queixou de que eu extraí todo o meu material de enciclopédias. Ao que parece, ele pensava que eu deveria tirar todos os dados concretos, fatuais, da minha cabeça.
Bill Marsano, de "TV Guide", um príncipe "boa praça", deixou que eu respondesse, mas não quis ouvir as minhas tentativas de explicação de que a originalidade consistia na organização e na expressão dos fatos, não nos fatos em si mesmo considerados. Ele disse: "Não, não, Isaac. Seja esportivo!"
Em consequência, rabisquei uma nota para dizer que fizera uso de duas enciclopédias, tomando palavras, alternadamente, de ambas, e que elas haviam impresso isso.


Texto retirado do livro O início e o fim. Trata-se de uma coleção de textos de não ficção escritos por Isaac Asimov sobre assuntos variados. A compilação original foi publicada em 1977 e foi trazida ao Brasil pela editora Círculo do livro, de São Paulo.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A Carta de Christopher Hitchens


Caros colegas descrentes,

Nada no mundo iria me impedir de juntar-me a vocês, com excessão da perda de minha voz(pelo menos minha voz de fala) que se dá a uma longa discussão que estou tendo com o espéctro da morte. Ninguém nunca ganha essa discussão, mas ainda assim existem sólidos pontos a se fazer enquanto discutimos. Descobri, na medida em que meu inimigo se torna mais familiar, que todo pedido especial de salvação, redenção e alívio sobrenatural parece a mim ainda mais raso e artificial do que antes. Eu espero ajudar a defender e a passar para a frente essas lições por muitos anos, mas por enquanto prefiro depositar minha confiança em duas coisas: na habilidade e principios da ciência médica moderna, e na camaradagem de inumeros amigos e familiares, todos imunes ao falso consolo da religião. São essas forças, entre outras, que irão apressar o dia em que a humanidade se emancipará dos tentáculos do controle mental, da servidão e superstição. É a nossa solidariedade inata, e não um depotismo celeste, a fonte de nossa moralidade e nosso senso de decência.
Esse senso de decência fundamental é ultrajado diariamente. Nosso inimigo teocrático está em plena vista. Mudando de forma, se extende da clara ameaça dos mullahs com armas atômicas às traiçoeiras campanhas para que uma pseudociencia absurda seja ensinada nas escolas americanas. Mas nos últimos anos houveram sinais cativantes de uma genuina e espontânea resistência a esse nonsense sinistro: a resistência que nega aos valentões e tiranos o direito de fazer a alegação absurda de ter deus ao seu lado. Ter tido uma pequena parte nessa resistência tem sido a maior honra da minha vida. O padrão típico de toda ditadura é a rendição da razão ao absolutismo, e o abandono do questionamento crítico e objetivo. O nome vulgar dessa ilusão letal é religião, e nós devemos aprender novas maneiras de combatê-la na esfera pública, assim como aprendemos a libertar-nos na esfera privada.
Nossas armas são: a mente irônica contra o literal; a mente aberta ao invés da crédula; a busca corajosa pela verdade contra as forças temerosas que poriam limites à investigação (e que estúpidamente alegam já termos a verdade de que precisamos). Talvez, acima de tudo, nós afirmemos a vida acima dos cultos de morte e sacrifício humano. E temos medo não da morte inevitável, mas de uma vida humana manca e distorcida pela necessidade patética de oferecer adulação demente, ou da crença sombria de que as leis da natureza se sujeitem a lamentos e encantamentos.
Como herdeiros de uma revolução secular, American Atheists tem a responsabilidade especial de defender e preservar a Constituição que patrulha as fronteiras entre Igreja e Estado. Isso, também, é uma honra e privilégio. Acreditem quando eu digo que estou presente com vocês, mesmo que não corpóreamente (e apenas metafóricamente em espírito...). Decidam por levantar o muro de sepração do Sr. Jefferson. E não mantenham a fé.

Sinceramente, Christopher Hitchens


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* Esta é uma carta escrita por Christopher Hitchens para uma conferência de ateus em que, por causa de sua doença, ele não pode estar presente. O jornalista inglês morreu de câncer de esôfago no dia 15 de dezembro de 2011. A postagem da carta se dá especificamente a sua posição em relação a importância do estado laico e a sua postura corajosa perante a morte. Este blog tem como principal objetivo a divulgação do ceticismo e da investigação científica. Não estamos de acordo com tudo o que Hitchens defendia. Ele era um ser humano polêmico e complexo e deve ser lembrado como tal. Adeus, Hitchens.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O Cromossomo 2



É sabido que seres humanos possuem 23 pares de cromossomos enquanto os grandes símios possuem 24. Se nós temos um ancestral comum, onde foi parar esse par de cromossomos extra? Em outubro de 1991, um artigo de J. W. IJdo publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences respondeu a essa questão, fornecendo mais evidências contundentes a favor da temida ancestralidade comum entre os seres humanos e chimpanzés.


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No final de cada cromossomo existe uma seqüência de DNA chamada Telômero. Sua função é proteger as pontas do DNA cromossômico durante a replicação. Ele consiste em uma longa seqüência de DNA repetida muitas vezes(No caso dos primatas a seqüência TTAGGG é repetida de 500 a 3500 vezes). Embora, como dito acima, essa estrutura seja normalmente encontrada nas pontas dos cromossomos, nos seres humanos o cromossomo 2 possui na sua parte central uma seqüência de DNA telomérico seguido de uma seqüência inversa, indicando uma fusão.

Outra indicação dessa fusão é um centrômero vestigial. Os centrômeros são uma parte condensada do cromossomo e ficam geralmente no meio deste. O cromossomo 2 humano possui em sua parte superior um centrômero que corresponde ao do cromossomo 2p dos chimpanzés. Na parte inferior existem restos de um segundo centrômero na mesma posição em que se encontra no cromossomo 2q desses símios.

Essas, aliadas com a similaridade quase total do material genético do cromossomo humano 2 e seus correspondentes 2p e 2q em outros primatas, são não só fortes evidências para o evento da fusão como também para nosso parentesco direto com essas espécies.








sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Sobre pastores e astrólogos

Ulisses Capozzoli

Num seminário, recentemente no Rio, ouvi o relato de um dos componentes da mesa sobre a reação de parte de crianças à idéia de o Universo ter a idade aproximada de 14 bilhões de anos.

Essas crianças, que freqüentam determinado espaço dedicado à ciência — influenciadas pelo criacionismo e interpretações fundamentalistas religiosas do mundo — segundo o palestrante, sorriem com desdém sobre a científica idade do Cosmos.

Isso significa que, antes de essas crianças estarem criticamente maduras para uma apreciação sensível, inteligente e promissora da Natureza, foram mentalmente dominadas pelo dogmatismo estúpido de fundo religioso que ameaça retroceder o pensamento a uma repugnante era de trevas.

E o mais desconcertante:

O palestrante diz que “respeita esse tipo de interpretação”.

Mas nada disso seria estranho se, uns poucos minutos depois, ele não exibisse uma arte das constelações zodiacais e, em seguida, fizesse duras críticas à astrologia.

A questão aqui é a seguinte: se ele aceita idéias arcaicas e sem sentido, promessas despudoramente falsas e “milagres” deslavadamente mentirosos que uma legião de “pastores” propaga diuturnamente em programas de rádio e TV, por que criar caso com a astrologia?

A resposta, a meu ver, é simples e direta:

Covardia e ausência de integridade científica.

E não estou acusando uma pessoa em particular — isso não faria sentido.

Estou me referindo a uma tendência, visível a olho nu, de “respeitar” farsas que são verdadeiros casos de polícia, envolvendo estelionato entre outros crimes, mas, ao mesmo tempo, não perdoar os astrólogos.

Aqui uma rápida explicação:

Não estou defendendo nem atacando astrólogos e a astrologia.

Estou fazendo uma comparação entre essas duas áreas, o que é muito diferente.

Carl Sagan (1934-1996), astrônomo e divulgador científico talentoso, preveniu, em seu último livro, O mundo assombrado pelos demônios – a ciência como uma vela no escuro, sobre as conseqüências da impotência da ciência em sensibilizar a sociedade humana para uma perspectiva mais promissora.

Se visse ou ouvisse qualquer um desses espetáculos grotescos na TV ou em inúmeras estações de rádio, envolvendo pregadores de diferentes igrejas — todas elas preocupadas com interesses mundanos — Sagan teria descoberto que a tragédia que previu chegou mais cedo que havia pensado.

A covardia da posição a que me refiro talvez possa ser entendida da seguinte maneira:

Criticar esses criminosos que manipulam a fé das pessoas — esse sim, um valor sagrado, na acepção clássica desse termo — é literalmente cutucar um vespeiro.

Igrejas, cada vez mais concebidas como uma rentabilíssima atividade — à custa da miséria material e filosófica de boa parte da população — costumam reagir com a veemência típica de farsantes e abusadores da fé como forma de proteger seus negócios hediondos.

Já os astrólogos, para usar uma expressão cotidiana, estão “pouco se lixando” para o que dizem astrônomos e outros cientistas.

Eles sabem que os jornais continuarão publicando o horóscopo diário e talvez a maior parte das pessoas faça uma leitura diária deles, mesmo sem confessar esse comportamento.

E nem precisam. Esse é um direito elementar de cada um.

E, além disso, convenhamos, a astrologia e astrólogos não são nenhuma ameaça. Ao contrário do que ocorre com igrejas que costumam saquear financeiramente um número desconhecido de vítimas.

Ou estimular ataques para a “conquista de almas” como ocorreu no Iraque.

Eventualmente, uma nota de canto de página nos jornais, traz uma pequena referência a abusos dessa natureza.

Pessoalmente posso dizer que não tenho qualquer dificuldade em revelar que leio meu horóscopo diariamente, com um critério bem particular:

Se as previsões são boas, considero que está tudo bem.

Se forem ruins, interpreto que tudo não passa de besteira e não ligo a mínima.

Talvez uma leitura possível das colunas de horóscopo publicada diariamente pelos jornais seja a de que são uma espécie de diluição homeopática do que um dia foi, por exemplo, o prestigioso Oráculo de Delfos.

O horóscopo diário é o oráculo rarefeito do século 21, para atender a cultura de massas, do homem destituído de alma e de senso crítico, a que se referiram filósofos como o espanhol Jose Ortega y Gasset.

O horóscopo diário talvez seja uma espécie de bengala em que as pessoas se apóiam para enfrentar a insegurança crescente do cotidiano:

O ônibus perfurado de balas, não por bandidos, mas pela Polícia, no Rio de Janeiro.

As garotinhas assaltantes e ameaçadoras, de 11 e 12 anos de idade, que atuam impunemente na Vila Mariana, em São Paulo.

Os edifícios incendiados por protestos em Londres, que no passado recente já foi bem mais cool.

O atirador inesperado que dispara, sem qualquer razão aparente, numa escola americana ou numa ilha paradisíaca, na Noruega.

O horóscopo certamente é o remanescente da idade mágica que vivenciamos na pré-história e não completamente superado, ao contrário do que se costuma crer.

A astrologia e os astrólogos não são incentivadores de guerras, ao contrário do que ocorreu e continua ocorrendo com o fanatismo religioso.

E a manipulação da religiosidade de cada um talvez seja a culminância do abuso e desrespeito profundos, camuflados sob uma pretensa liberdade religiosa que permite, entre outras coisas, uma negociata política, nefasta à sociedade como um todo.

Não tenho qualquer pretensão de colocar ponto final numa questão que se arrasta pelo tempo e talvez venha a ser ainda pior no futuro imediato.

Ao menos se as coisas continuarem assim.

Toco no assunto porque essa é uma questão profundamente afeita à ciência e à produção do conhecimento científico com base na ética, na estética e na história.

Talvez esteja na hora de se refletir um pouco mais seriamente sobre quais são, neste momento, as verdadeiras ameaças à ciência, seguindo as pistas deixadas por Sagan em O mundo assombrado pelos demônios.

Editor da Acientific American Brasil, Ulisses Capozzoli é jornalista especializado em divulgação científica, mestre e doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo. Autor de livros como "Antártida da Última Terra" e "No reino dos Astrônomos Cegos, Uma História da Radioastronomia".

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Peixes Dourados e a Realidade




Há alguns anos atrás o concelho municipal de Monza impediu donos de peixes dourados de os porem em aquários esféricos. O defensor da medida alegou que seria crueldade manter um peixe em tais condições, pois o animal teria uma visão distorcida da realidade. A visão do peixe seria diferente da nossa, mas poderia ser chamada de menos real?



Apesar da distorção da luz, um peixe em um aquário ainda poderia formular, por exemplo, leis científicas que descrevessem corretamente as leis de movimento. Devido à distorção, um objeto que se movesse em linha reta fora do aquário seria percebido pelo peixe como movendo-se em uma trajetória curva. Suas leis seriam mais complicadas que as nossas, mas simplicidade é uma questão de gosto. Se tais leis fossem formuladas deveríamos admitir essa como uma visão valida da realidade.

Por volta de 150 d.C. Ptolomeu descreveu o movimento dos corpos celestes em seu trabalho de treze livros chamado Almagesto. Nele são expostas razões para se crer que a terra é esférica, imóvel, posicionada no centro do universo e relativamente pequena em comparação com as demais esferas celestes. Essa representação do sistema solar(com ciclos, epiciclos e equantes) permitia predizer o movimento dos planetas com certa precisão e, adotada pela igreja católica, influenciou o pensamento ocidental por 14 séculos. Até que em 1543 um modelo alternativo foi proposto por Nicolau Copérnico em seu livro Da revolução de esferas celestes.

Copérnico descreveu um mundo no qual o sol estava em repouso e os planetas o revolviam em órbitas circulares. Embora essa idéia não fosse nova, sua exposição encontrou grande resistência por ser considerada contraditória em relação à Bíblia. Esse modelo foi furiosamente debatido, culminando no julgamento de Galileu por heresia em 1633 por defende-lo. [Galileu foi considerado culpado e condenado à prisão domiciliar para o resto de sua vida, até que em 1992 a igreja católica finalmente reconheceu seu erro ao condená-lo.]

Qual seria real, o sistema de Ptolomeu ou de Copérnico? Embora seja comum a noção de que Copérnico provou que Ptolomeu estava errado, isso não é verdade. Ambos podem ser derivados de observações precisas. A verdadeira vantagem do segundo modelo é apenas que nele as equações que descrevem o movimento são muito mais simples. Não há um conceito independente da realidade, por isso adotamos o chamado Realismo Dependente de um Modelo.



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A ciência clássica é baseada na idéia de que existe um mundo externo real cujas propriedades físicas têm valores bem definidos. Nessa visão, nossas teorias são tentativas de descrever esses objetos e suas propriedades. Em outras palavras, se eu vejo uma manada de zebras lutando por um lugar numa garagem é porque realmente existe uma manada de zebras lutando por um lugar numa garagem. Todos os outros observadores que olharem irão medir as mesmas propriedades e elas irão existir quer existam observadores ou não. Em filosofia isso é chamado de Realismo. Embora alguns realistas constantemente afirmem que a prova de que uma teoria científica representa corretamente a realidade é que ela funciona, diferentes teorias podem descrever com sucesso o mesmo fenômeno por diferentes conceitos.

Tradicionalmente aqueles que não aceitam o realismo são chamados antirealistas. Eles propõem uma distinção entre conhecimento empírico e conhecimento teórico. Os antirealistas defendem que observação e experimentação têm importância, mas teorias não são mais que instrumentos que não incorporam nenhuma profundidade ao fenômeno observado. Alguns até quiseram restringir a ciência somente às coisas que podem ser observadas. Por essa razão, muitos no século 19 rejeitaram a idéia de átomos, já que nunca veríamos um. George Berkeley (1685-1753) foi ao extremo de afirmar que nada existe exceto a mente e as idéias. Já no ponto de vista de David Hume (1711-1776), embora não haja motivo racional para a crença em uma realidade objetiva, nós não temos escolha a não ser agir como se ela existisse.

O Realismo dependente de um modelo funde todos esses argumentos entre as duas escolas de pensamento. Segundo ele não faz sentido perguntar se um modelo é real, apenas se ele concorda com observações. Podemos usar o modelo que nos for mais conveniente. Se estivermos dentro de um aquário esférico, a teoria do peixe dourado nos seria a mais útil. Caso hajam mais modelos para explicar o mesmo fenômeno, optamos por aquele que explica mais fatos observados com menos elementos arbitrários e que prevê observações futuras que sejam falseáveis. Embora não deva ser taxada de irreal, a visão bíblica literal não responde a algumas questões básicas quando se trata, por exemplo, da idade do universo. O modelo que indica que o tempo continua por 13.7 bilhões de anos no passado até o big bang dá conta de explicar as atuais observações de registros históricos e geológicos. Ele explica o registro fóssil e de radiação, o fato de que recebemos luz de galáxias milhões de anos luz de distância. Isso faz esse segundo modelo mais útil que o primeiro.



  • Realismo Dependente de um Modelo: A idéia de que uma teoria física ou uma visão de mundo é um modelo(geralmente de natureza matemática), e um grupo de regras conectam os elementos do modelo à observações.








HAWKING, Stephen. What Is Reality? In:______. The Grand Design. Londres: Bantam Press, 2010. Cap. 3, p. 39-57.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Elos Perdidos

1. Transições de peixes ósseos primitivos para anfíbios


A transição de peixe para anfíbio não foi uma transição direta da água para a terra, foi uma transição de barbatanas para patas que aconteceu na água. Como alguns peixes modernos, os primeiros anfíbios desenvolveram patas que os capacitaram andar pelo fundo dos pântanos(que proporcionavam novas fontes de comida e proteção). Isso significa que as barbatanas não precisaram mudar rapidamente, a musculatura de sustentação dos membros não precisou ser bem desenvolvida, e a musculatura axial não precisou mudar NADA. Eventualmente, porém, anfíbios foram para a terra. Isso envolveu uma fixação mais firme da pélvis na espinha e a separação entre o ombro e o crânio. Pulmões não foram um problema, já que eles são uma característica antiga em alguns peixes e já estavam presentes na época. Alguns exemplos desta transição no registro fóssil são:


Osteolepis - (meados do período Devoniano) O gênero dos primeiros peixes com nadadeiras lobadas. O lobo superior da cauda era mais desenvolvido que o inferior. Tinha barbatanas em pares com um arranjo ósseo similar a pernas, que eram capazes de flexionar "cotovelos". Além de crânio e dentes que lembram os de um anfíbio primitivo.



Eusthenopteron - (meados para fim do Devoniano) Foi primeiro descoberto através de um fóssil completo encontrado em 1881. O crânio era muito similar ao de um anfíbio, bem como a forte coluna vertebral, o layout dos maiores ossos das barbatanas e a musculatura. Não há, porém, "dedões" perceptíveis e a proporção entre o crânio e o resto do corpo ainda são como a de peixes.



Panderichthys - (meados para fim do Devoniano) Diferente do Eusthenopteron, esses peixes tinham proporções corporais muito similares às dos tetrapodes(corpos achatados, ossos frontais no crânio, cauda reta, etc.) e tinham barbatanas notavelmente similares a patas.


Acanthostega - (final do Devoniano) Eram muito similares a peixes, e recentemente Coates e Clack (1991) descobriram que ainda possuíam guelras internas e câmaras operculares para uso na respiração aquática. Isso implica que os primeiros tetrapodes não eram totalmente terrestres, o que obscurece a distinção tradicional entre tetrapodes e peixes. Acanthostega também possui "ombros" e membros superiores como os de um peixe.





Imagens comparativas:





Fonte:

http://www.talkorigins.org

http://www.devoniantimes.org/opportunity/tetrapodsAnswer.html